Já expliquei no post Por que confiar cegamente em análises microbiológicas de produto acabado pode ser uma furada que estatisticamente é bem difícil detectar um defeito em produto acabado analisando um pequeno número de amostras. E mesmo quando o número de amostras é aumentado, ainda há um importante risco de aprovação de um lote que apresente contaminação. É por isso que deve haver cautela na interpretação de resultados de análises microbiológicas dos lotes compostos.
Análises microbiológicas geralmente são feitas por lote (ou lotes compostos) e os resultados devem ser interpretados com cuidado uma vez que se considera que o lote é a representação de uma condição padronizada que é muito mais teórica do que prática. Vamos à definição de lote segundo a ICMSF: Lote é o total de unidades de um produto produzido, manuseado ou armazenado em condições idênticas, dentro de um determinado período.
Do lote, se retira uma amostra/unidade amostral, que segundo a RDC 12/01, 3.7: Porção ou embalagem individual que se analisará, tomado de forma totalmente aleatória de uma partida como parte da amostra geral. Não existe legislação no Brasil que determine como o lote deve ser definido na fabricação de alimentos. Assim, fica a cargo do fabricante fazê-lo.
Na prática, costuma ser determinado por um destes caminhos:
1) Pela receita/formulação, onde uma batelada recebe um código atribuído a uma mistura de ingredientes que deu origem ao todo
2) Por tempo. Intervalos de tempo como um turno ou um dia de fabricação determinam esta condição que delimitam o lote.
Variabilidade de resultados em um mesmo lote Gostaria de abrir os olhos para um fator de variabilidade adicional na interpretação de resultados microbiológicos: o lote. Por questões práticas, ele não é tão homogêneo como as definições preconizam. Imagine a situação em que um lote é definido por tempo, que seja um turno.
Ao longo deste turno, várias bateladas ou receitas são pesadas por um operador de formulação. Porém, durante o turno vão acabando as matérias primas de um mesmo lote mãe e são abertas novas embalagens que podem até ser de um fornecedor diferente do que o que foi pesado há duas horas. Não estamos mais falando de um lote de condições idênticas. As matérias-primas mudaram!
No segundo caso, o de um lote atribuído por formulação, vamos supor que a mesma receita percorra trechos diferentes de uma linha de produção. Vamos a um caso fictício em que a causa da contaminação possa ser uma das mangueiras da recheadora ou a canaleta com um ponto de difícil limpeza por onde está passando a manteiga, como ilustrado abaixo. Pronto, esse lote também não está homogêneo! Imagine se for retirada uma amostra de um lado só da linha para análise.
A causa da contaminação se refletirá no resultado microbiológico da análise Num exercício fictício imagine 3 causas possíveis para a contaminação de uma peça de carne assada pronta para consumo: A carne foi contaminada pós cocção pelas mãos do manipulador ou alguma superfície do processo (bandeja ou esteira transportadora. A contaminação vai se apresentar espalhada pela superfície onde houve o contato. A contaminação se deu por causa de um fatiador e os microrganismos se distribuirão ao longo da face cortada, sendo mais concentrada no início. A cocção foi insuficiente, tendo sobrevivido patógenos no centro do produto. Você consegue imaginar que a forma de tomada de amostra das peças desta carne pode contribuir para se encontrar ou não o contaminante e que este pode passar não detectável? Note que não é tão fácil assim ser “sorteado” e “tirar a sorte grande” de conseguir detectar o problema antes de chegar ao consumidor. Amostragem de lote composto – quem está se enganando? Agora vamos a uma situação observada em algumas empresas: a adoção de lotes compostos, ou “pool” de amostras, que fazem “render” os resultados.
Se você não conhece, funciona assim: um fabricante produziu 10 lotes de um determinado produto, e para economizar em análises, ao invés de tomar uma amostra de cada um e realizar 10 análises, vai tomar uma amostra de cada lote, homogeneizá-las e realizar uma análise só. Não é uma ideia brilhante? Lamento informar que com essa “técnica” a capacidade de detecção do patógeno foi reduzida em 90%! E sem contar que, se foi retirada uma única amostra do lote, por mais aleatória e bem-feita que seja, já não estamos falando de plano de amostragem representativo. Esta situação parece ser muito econômica e funcionar bem até que…saia um positivo!!! No caso do lote composto, como é que vamos rastrear a causa-raiz do problema? Qual dos dez lotes está comprometido?
Fonte: https://foodsafetybrazil.org/analises-microbiologicas-por-lote-composto-e-cautela-na-interpretacao-de-resultados/